Livro "Top Question: Perguntas Poderosas..." - Quanto Está Esse Problema a Servi-lo?
Perguntar é uma das técnicas usadas por sofistas, base da dialéctica… da maiêutica Socrática... A maiêutica, através de questões simples, coloca em causa situações, problemas e conceitos com o objectivo de gerar novas ideias, novas abordagens, novas verdades que permitem encontrar soluções únicas. O mesmo se utiliza na prática de coaching.
Nesta consideram-se dois níveis de “Perguntar”, nenhum tendo como objectivo a obtenção de respostas definitivas, mas sim a exploração que leva ao conhecimento e à acção satisfatória para o cliente. O nível de “Perguntar simples" faz avançar no processo de coaching e contribui, entre outras técnicas, para que a “conversa de coaching” não seja uma simples conversa.
O nível de “Perguntar poderoso” é sentido ou percebido como um rasgo de inspiração, que “ilumina”, que exponencia a percepção, que faz perceber algo que até aí ainda não tinha feito sentido e que é, afinal, sobremaneira importante. Ambos os níveis coexistem no processo de coaching e, neste processo, contribuem para o cliente encontrar novos caminhos.
Neste contexto, debruço-me sobre o nível de "Perguntar poderoso". Perguntas poderosas geram perplexidade, introspecção, fazem pensar, encontram uma forte ressonância em cada um, obrigam a “entrar” em espaços ainda não explorados e orientam para a acção. As perguntas poderosas que faço, como resultado da prática de coaching, resultam em cada momento de uma escuta incondicional, estão alinhadas com o contexto (fora dele podem não fazer sentido), desalinham o quadro de referência do cliente e este acaba por, algures no tempo, entendê-las como um presente. Resultam de ouvir além do que está a ser dito. Perceber detalhes sem me deixar agarrar pelos mesmos, o que permite identificar padrões. É sobre estes padrões que trabalho no sentido de desafiá-los. Não tenho perguntas poderosas de eleição.
Partilho algumas perguntas, não porque sejam da minha eleição (eleição remete para apego, a fórmula certa, cheira a à la carte), mas porque me foram devolvidas pelos clientes como o momento em que fizeram “a viragem”, o momento em que modificaram a sua percepção e mudaram o rumo num sentido mais satisfatório e produtivo para si e para os outros à sua volta. Saliento que as mesmas tiveram efeito, por terem sido utilizadas em momentos em que a relação de confiança já estava bem alicerçada, a linguagem espelhava a do cliente, e havia um trabalho prévio facilitador de sintonia com o “sentir” e não só com o “ouvir” a pergunta.
• “Quanto está esse problema a servi-lo?”
– Esta pergunta levou um cliente a identificar um padrão de retroalimentação.
Permitiu-lhe tomar consciência sobre: em que medida ele era causa e consequência do problema e ainda quanto jeito o mesmo lhe dava. Este cliente tomou consciência de que alimentava um problema de despedimento como uma forma de não abordar outro tema, esse sim importante. Um colaborador com double reporting não estava a ter a performance desejada.
O cliente empenhava-se energeticamente em ajudar a pessoa em causa, realizando muitas vezes o que seria o seu trabalho. Por motivo deste comportamento, o cliente era o único da equipa que tinha sempre o reconhecimento de todos em relação a ser o manager coach perfeito, ganhando a confiança de todos os operacionais. A outra chefia já por dois anos consecutivos vinha sinalizando a situação para ser resolvida com uma rescisão amigável. Assumir-se como co-responsável na perpetuação de uma situação insatisfatória, permitiu sentir solidariedade face à outra chefia envolvida (ambos em sobrecarga de trabalho) e desbloquear esta situação.
Permitiu ainda avançar para lidar com o que era o verdadeiro problema e que estava até então mascarado – querer ser visto como tendo a competência de coaching, para poder vir a ser integrado na Direcção de Recursos Humanos.
• “O problema tem a ver com essa tarefa ou com a forma como se sente acerca dela?”
– Esta pergunta desencadeou a tomada de consciência da emoção associada à situação e a perceber que não era através da tarefa que a pessoa iria ter o outcome que pretendia.
O tema em causa prendia-se com uma questão de delegação de tarefas. O cliente considerava que a tarefa, chamemos-lhe A, era impossível de delegar, argumentando sobre os riscos de uma má execução da mesma por outrem, que não ele próprio. A pergunta vem iluminar que a existência de uma forte vinculação a esta tarefa prendia-se com o acesso directo à administração. Através dessa tarefa o cliente em causa tinha uma relação de proximidade privilegiada que lhe garantia, no seu entender, a visibilidade necessária a uma futura promoção. Delegar a tarefa activava o receio de não conseguir ter a visibilidade desejada.
Tomar consciência deste receio fê-lo rapidamente perceber que haveria outros caminhos alternativos para obter a promoção e que haveria outros temas, muitos mais interessantes para a administração, de que se poderia ocupar trazendo melhores resultados para a sua empresa e, consequentemente, para a sua promoção. Permitiu-lhe ainda abrir caminho para perceber o quanto estava enfadado com a tarefa A e que a rotina da mesma era muito consumidora de tempo e energia. Tempo e energia que decidiu alocar a outras actividades que identificou como potenciadoras de um enriquecimento da sua posição, com actividades únicas e de inovação.
• “Se tivesse uma varinha mágica como resolveria o tema a seu gosto?”
– Esta pergunta facilitou perceber tudo o que seria o resultado de sucesso, “chutou para a frente”.
Esta pergunta teve na verdade um efeito extraordinário no cliente, na medida em que lhe permitiu sair do ciclo de impossibilidades em que estava. A palavra “magia” devolveu-lhe o poder de produzir efeitos contrários ao que considerava ser a natureza (sua e do tema a resolver). Devolveu-lhe o poder da regulação. O seu “muito querer” teve afinal um poder sem limites. A pergunta foi poderosa na medida em que tornou tudo fácil e simples em termos de fixação do cenário de sucesso. Permitiu identificar, no “andar para trás”, as barreiras e formas de as utilizar e visualizar qual o caminho a seguir para lá chegar.
Este cliente respondeu que se dividiria em dois. A reflexão, que foi estimulada, conduziu à identificação de tal impossibilidade e da necessidade de ter dois Eu. A emergência destes dois Eu, um "Eu trabalho" e um "Eu casa", permitiu uma redefinição de prioridades e melhor work-life balance que se veio a reflectir em temas de inovação no seu departamento.
• “O que faria se já fosse a pessoa que tem o potencial para ser?”
– Esta pergunta permitiu ao cliente, num momento em que tudo corria mal, percepcionar-se como podendo vir a ser capaz de atingir os seus objectivos. O cliente tinha de entrar num processo de selecção interno para uma posição de CEO. Na verdade não o desejava, sabia que havia mais candidatos na corrida e que tinha sido pressionado para participar contra sua vontade.
Achava na verdade que não tinha o potencial para vir a ser um bom CEO, que nem sequer conseguia consubstanciar em algo de tangível. O cliente partilhou no final do processo que, partindo da consideração de já ter o potencial para ser CEO, o tema sobre o qual tinha de se debruçar era sobre o que o estava a “amarrar”, para depois poder seguir com segurança.
• “Se quisesse ‘espalhar-se ao comprido’ o que faria?”
– Esta pergunta, em que se utiliza ipsis verbis a linguagem do cliente, estimulou o cliente a perceber todos os “maus passos a dar” e as barreiras que se ergueriam de imediato. O cliente considerou que anunciaria à sua equipa “a partir de agora todas as decisões sobre este tema sou eu que tomo!”; mostraria à sua chefia “esta equipa que recebi é completamente incompetente”; assumiria, junto dos elementos da equipa que considerava interessantes a responsabilidade pelo seu desenvolvimento pessoal.
A elaboração verbal pela negativa teve um impacto tão forte no cliente que ao fim de um minuto de elaboração, carregada de energia negativa, começou de imediato a utilizar a mesma energia, mas no sentido positivo, a identificar o plano de acção a colocar em prática para evitar as barreiras que seguramente se levantariam de forma instantânea e duradoura no tempo. Em espelho identificou tudo o que tinha de fazer, com quem, em que momento e de que recursos necessitava para a implementação da sua solução de sucesso.
• “Que critérios/regras está a usar que podem ser desafiados?”
– Esta pergunta conduziu à listagem de tudo o que estava a impedir o “andar para a frente” e à sua reformulação no sentido catalisador do termo. Mas mais do que isso permitiu a identificação de um padrão óbvio presente em situações da sua vida pessoal e da vida profissional.
Descodificá-lo permitiu perceber a fonte interna de irritação, causadora de grande desgaste e das fontes internas propiciadoras de satisfação e motores de orientação para resultados. O cliente começou a colocar esta pergunta e outras a todos os membros do quadro de direcção e activou um exercício que acabou por se mostrar bastante frutuoso para o desenvolvimento do tema em causa.
• “Daqui a 10 anos, ao olhar para trás, o que vai dizer deste tema?” – Esta pergunta permitiu ao cliente percepcionar a oportunidade de mudança e ouvir-se a dizer “ainda bem que aquilo me aconteceu senão ainda lá estava” e assim avançar com rapidez para a etapa seguinte. O cliente à data desta pergunta sentia-se abalado por motivo de ter que protagonizar um despedimento colectivo e em simultâneo manter os resultados da subsidiária da qual era CEO. Esta pergunta vem na sequência de um trabalho intenso de visualização.
Este CEO estava na senda da visão organizacional para a sua subsidiária. Olhando para o futuro, daqui a 10 anos, o cliente percepcionou todas as possibilidades que lá se encontravam e tudo o que estaria a fazer e que o apaixonava, com quem estaria a falar, o que teria vestido, quais as tendências do momento e o que estaria a sentir/pensar...
Imaginou-se a falar com uma colega e a contar como tinha sido fazer o despedimento colectivo e conseguir manter uma empresa inteira motivada. Descobriu que, através do que realmente o apaixonava e da partilha com todos, conseguia manter as pessoas alinhadas.
Ficou tão agradado com o que “viu” que percebeu imediatamente como retirar proveito da situação actual em favor da futura, desenhou a sua linha de acção e manteve-se determinado na forma de a executar.
• “Se o seu filho pensasse consigo sobre este tema, o que lhe diria a si?”
– Esta pergunta permitiu ao cliente, num momento de decisão de expatriação, libertar a tensão que tinha acumulada e “partir”. O cliente já se tinha questionado sobre o tema tentando pensar como se fosse o Manuel (seu colega de trabalho), a Rita (sua congénere além-fronteiras), etc.
Estava habituado a “ver” diversos temas com o “olhar dos outros”. Estava num dilema que na verdade se prendia com a sua forte necessidade de ter raízes e na dificuldade sentida em imaginar que iria criar o filho longe da sua família, do seu país. Pensava a partir do seu referencial e projectava o mesmo para o seu filho (à data com 10 anos). Com esta pergunta, o cliente percepcionou as necessidades do filho como diferentes das suas, percepcionou as características da geração do filho aquando da futura entrada no mercado de trabalho e as vantagens competitivas de ter uma oportunidade de viver numa cultura diferente, identificou as vantagens de viver numa era em que as tecnologias permitem manter a relação com uma facilidade nunca antes existente, etc. e decidiu “partir” para…
• “O que é que os Gato Fedorento diriam ser o caminho?”
– Esta pergunta foi sentida como tão destruturante que autorizou o cliente a rir-se do caminho terrível que tinha pela frente e a perceber que tendo que o fazer, poderia fazê-lo lamentando-se ou desfrutando. O cliente era um apaixonado dos Gato Fedorento e em muitas sessões partilhava a última “daqueles meninos”. Sempre que o fez achou importante explicar a “inteligência” por trás do humor e fê-lo sempre de forma alegre e bem-disposta mesmo quando os temas envolvidos eram sensíveis. Convidado a aplicar a si uma forma de “olhar o mundo”, com a qual se identificava, conseguiu encontrar a sua solução. Mas mais importante do que resolver o tema que tínhamos em “cima da mesa” foi ganhar a competência de olhar para o seu dia-a-dia com a “lente dos Gato Fedorento”. Lente essa que sempre ali tinha estado à mão de semear.
As perguntas poderosas surgem au fure et à mesure da conversa de coaching, nascem de uma grande curiosidade do coach por conhecer alternativas; de uma vontade imensa de aproveitar/potenciar os recursos internos do cliente, de não se conformar com os caminhos já trilhados pelo cliente e de acreditar que na exploração da diversidade há respostas que nos podem levar mais longe.
As perguntas poderosas encontram terreno naqueles que, já tendo feito vários caminhos, desejam ser desafiados e, através do perguntar dialéctico, pretendem “caminhar entre outras ideias”, desejam a contraposição de ideias que levem a outras.
As perguntas poderosas são as que o cliente recebe com humildade na base de um “só sei que nada sei”, aceitando fazer um percurso de “dar à luz” uma nova ideia que conduzirá a um fazer diferente, mais rico e satisfatório para o próprio, para os outros e para os diversos sistemas em que se movimenta. As perguntas poderosas são as que abrem possibilidades, as que a pessoa nunca se colocou, as que irão gerar um “Ena… nunca tinha pensado nisso”, as que na subtileza de um olhar ou inflexão de voz percebemos que impactaram no cliente no sentido do click… são as que geram um silêncio pleno de possibilidades e criam uma cascata de energia.
In: João, M. (2012). Top Question: Perguntas Poderosas dos Executivos e Coaches em Portugal, Lisboa: SmartBook